sábado, dezembro 01, 2007

A Contadora De Histórias







































- A Contadora De Histórias E Os Dez Luminosos –




Os Putos reuniam-se à volta daquela figura afável, de perna traçada em cima da secretária não ligando às palavras que ditam que uma cadeira é uma cadeira, e uma secretária, uma secretária. Ela olhava para eles com um sorriso que não era um sorriso, era mais... um abraço, de onde saíam palavras de uma língua que só as crianças entendiam.
Reza a história que o que ela contava era mesmo uma história... pelo menos a julgar pelo olhar doce e brilhante das crianças que pareciam entender tudo o que ela dizia...

- À muito, muito tempo... bom, à algum tempo... pronto, está bem, não foi à tempo nenhum nem num tempo qualquer... mas aconteceu, realmente aconteceu, as provas estão nos buracos da Lua e na firme intenção de o Sol encontrar a tão afamada Noite... nós sabemos que o sol nunca vai encontrar a Noite, ele teima sempre em chegar no preciso momento em que ela se vai embora. Mas a história tem realmente muito tempo, foi mesmo num tempo qualquer, onde ainda nem sequer existia televisão... era muito fantástico naquela altura sem televisão, era tudo feito de sonhos e bocados de algodão.
Esta é uma história especial, muito especial digo eu, porque assisti a tudo do meu canto mais iluminado. É que o Pedro, o rapazinho desta história que vos vou contar, quando entrou na Serra da Cabreira, lá para os lados deBucos, onde ia feliz a contar todos os passos ( e toda a gente sabe que se não contar todos os passos ou os degraus de uma escada nos pode acontecer uma coisinha muito má) se deparou com um senhor muito bem vestido que cantava uns versos para alguma coisa numa moita. O Pedro, curioso como era, logo se escondeu por trás de uma árvore a ouvir o que ele dizia...:
- Do céu recorta-se um traço branco
e da cara da criança, um sorriso franco
dirigido à nuvem como lembrança
Olha os céus e as Lagartas nos beirais
Sente o vento e de novo o céu, e os Pardais
Procura algo no chão, com interesse preocupado
Fechou-o quentinho na mão
Um pardalito abandonado
Olha em volta sem saber, sequer para onde olhar
Procura decerto o ninho – Nele estará mais quentinho
e começou a chorar.
Reparou agora em mim... e olha-me desconfiado
mas ainda assim, estende-me o pequeno coitado
- Trate dele Senhor – mais pergunta que pedido.
- Farei petiz, o meu melhor, disse-lhe eu ao ouvido.
Um sorriso de alegria, assomou-se na face rosada
Foi-se embora, pois chovia.
Vinha aí trovoada....
O Pedro ofereceu um sorriso à história e encostou sonhador a cabeça à árvore, mas acordou de sobressalto quando ouviu pequenos risos vindos da moita para onde o Senhor falava. Assustou-se claro, e por causa do barulho que fez não demorou muito até que o senhor o ouvisse:
- Quem vem lá? –Disse o Senhor com uma voz de trovão que o fazia parecer bem maior do que realmente era.
- Sou eu. – Respondeu o Pedro muito assustado por detrás da árvore – estava só a ouvir essa história que o Senhor contava a essa planta.
- Planta, mas de que planta falas gaiato??? Canto o Poema aos Luminosos, eles gostam de me ouvir falar.
- Luminosos Senhor? – Perguntou o Pedro quando ouviu aquele nome dado a uma Planta, que vendo bem, nem sequer tinha luz nenhuma.
- Claro rapaz, Luminosos, ou julgavas tu que ao entrar neste verde da floresta ias chamar a uma pedra, pedra ou a uma flor, flor? Há sempre uma verdade dentro de outra verdade. Agora sai detrás dessa árvore, deixa-me ver com quem falo.
O Pedro, muito assustado, saiu do sítio onde estava, e sem tirar os olhos da moita perguntou ao Senhor:
- Quem é você senhor, e porque está assim vestido?
- Ah Ah Ah !!Quem sou eu? Ora essa, sou D. Manuel I, Rei de Portugal, nem mais.
O Pedro sabia o que era um Rei, ele próprio era um, a avó dizia-lhe sempre – És o pequeno Rei do meu quintal, o vigia destas terras muradas.
Ele não sabia o que era as Muradas, porque a avó apontava para o horizonte, onda só se via a sebe e a cerca do quintal, mas a avó devia ter razão porque ele era mesmo um rei, até tinha uma espada de madeira que lhe tinha feito o tio Adolfo no dia que fez cinco anos. E ele já tinha cinco e meio, à mais que dez dias, pensava.
- Sabe senhor Rei, gostava de escrever assim, como você fala. Quero saber as letras todas, e já sei até ao P, à pois sei, e quando chegar ao Z , que o Senhor Rei não sabe mas é a última letra do abecedámio, vou escrever muitos livros sem bonecos e com muitas letras do abecedámio.
- É abecedário, pequeno petiz.
- E daí também Senhor Rei – E olhou para a moita que por momentos parecia mexer-se.
O Rei, vendo o ar de curioso do Pedro, apontou para moita e disse:
- Aqui petiz, e por todas as terras de Basto, vivem pequenos seres que noutro tempo foram grandes Senhores. São os Luminosos, senhores da terra entre Douro e Minho, fachos de luz como pequenas estrelas e...
- Mas não vejo nada Senhor Rei.
- AH meu rapaz, claro que não, tens de acreditar antes de ver, tens de sentir a sua presença, tens de olhar com os olhos da alma....
O Pedro não entendia o que D. Manuel dizia, mas a curiosidade mais uma vez foi muito forte e retorquiu: - Mas não vejo Senhor Rei.
- Meu petiz, pequeno Pedro, perdoa o modo como falo, mas estou aqui à mais de quatrocentos anos. De qualquer modo também eu já fui criança e creio que talvez me lembre de outro modo de te explicar.
E sentou-se numa pedra a pensar.
O Pedro sabia que quatrocentos anos era muito tempo, talvez até mais de dez, mas este homem tão grande uma criança...devia estar a mangar com ele, pensou. E já começava a adormecer quando ouviu o Rei falar, em verso, como quando conversava com a moita:
-Sabes pequeno petiz
É como quando cheiras uma flor
e imaginas um jardim
Ou um pássaro migrador
E tu com olhar sonhador
também queres ser assim
Ou logo depois do Sol nascer
Quando ainda estás a sonhar
Aquela vontade de comer
o pão quentinho a acompanhar
O cheirinho a leite e a café
mesmo na casa de tua Avó
Dá vontade de te pores de pé
com a barriguinha num nó
Sabes, mesmo antes de acordar
que a comida está na mesa
É como um bocado de sonhar
Feito de doce e esperteza.
É assim que vês os Luminosos, olhos postos no lugar que eles estão, mesmo que não os vejas, respiras fundo com alento, sussurras baixinho ao vento...e dizes – LUMINOSOS-
O Pedro ficou de boca aberta quando ouviu estas palavras. Era mesmo verdade o que ele dizia. Sempre pensou que só ele sabia do Segredo Do Pequeno-Almoço, quando a avó o chamava para comer e ele adivinhava tudo o que havia para comer na mesa. Mas agora ia saber outro segredo, o segredo dos Luminosos.
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O Pedro ajoelhou-se bem perto da moita meio a medo, olhou com atenção para as ramagens tentando vislumbrar um sinal de vida, mas só ouvia o vento a passar por entre as folhas, nada mais. O silêncio era total. Que estranho, pensou, podia jurar que ainda à pouco ouvira barulho. Tinha de ser verdade, tinha a certeza que era verdade. Olhou, pelo canto do olho, o Rei, que de sorriso cúmplice fazia lembrar os dias em que o avô lhe ensinava a jogar à bola, e o Pedro era muito bom a jogar à bola, à pois era. Marcava mesmo muitos golos, se calhar mais de dez, era assim que o Rei o fazia sentir, quando marcava golos. Isto dos luminosos tinha de ser verdade, à pois tinha.
Não podia esperar mais, e num sussurro feito de vento e palavras, disse as palavras mágicas...- LUMINOSOS - .
Nada aconteceu. Nada, mas o Pedro acreditava, ele sabia que tinha de acreditar mesmo antes de acontecer, apenas tinha de acreditar, nada mais. Então, vindo do nada, como um sonho do Pequeno-almoço feito de leite e mel e algodão doce, a moita parecia ganhar vida... e fez-se luz, muita luz, pequenas bolas de luz que brincavam à apanhada entre si, tanta luz que rodeava o Pedro em cócegas e risos sussurrando baixinho seus nomes: - Augusto... Constantino... Hermígio ... D.Pedro... Inês de Castro... D. Nuno Alvares... Sá de Miranda... Bernardim... Camilo... D. António Pereira.
Parecia um eco ao Pedro quando ouvia estes nomes, como se o som não viesse apenas das pequenas luzes, mas de todo o lado, e eram dez, pensou, e até dez sabia contar, e os Luminosos eram dez....
- DEZ!!- gritou o Pedro de alegria – Vocês são as dez estrelas de Basto.
O Pedro sabia quem eram as Dez Estrelas De Basto. Claro que sabia. Tantas histórias que a avó lhe contava sempre que ai dormir, tantas lendas, a do Castelo encantado, o Tesouro dos Romanos, ou o Grito de Hermígio o Guerreiro Monge - Até ali, por S. Miguel, até ali, basto eu! . E ali estavam eles, era real... bem na frente dele... bom... à volta dele, por todo o lado e não eram pessoas, nem guerreiros, nem santos, nem poetas. Eram Luzes, eram luminosos, eram lindos.
O Pedro não conseguia se conter e ria a bandeiras despregadas enquanto os luminosos brincava à volta dele como estrelas cadentes em constante movimento e ele se lembrava das histórias que a avó lhe contava sobre as estrelas de Basto.
- Muitos foram os importantes destas terras, Pedrinho. Poetas e Guerreiros, Monges e Santos milagreiros nestas terras tão belas, Abadim, Alvite, Arco , Basto, Bucos, Cabeceiras de Basto, Cavês, Faia, Gondiães, Outeiro, Painzela, Passos, Pedraça, Refojos de Basto, RioDouro, Vila Nune, Vilar de Cunhas.
À sim, o Pedro não se esquecera, eram tantas as histórias, tantas lendas, tantas fadas e gnomos, tantas princesas e reis, tantos sonhos... mas agora era diferente, tão diferente. Realmente era diferente porque as pessoas das histórias não eram pessoas, eram Luminosos... seria possível? Claro que era, estavam ali à vista, não havia que enganar. O Pedro tinha que saber o porquê, e para saber, como o avô lhe tinha ensinado, só tinha de perguntar:
- Mas vocês não são pessoas, são luzes, são Luminosos, mas não são Pessoas.
O Rei compreendeu logo a dúvida do Pedro e disse-lhe:
- Pequeno Pedro, claro que não são , o Luminoso mais novo tem muitos anos, bem mais que os dez que sabes contar. Se os vires como realmente são ( e olhou para o Pedro com os braços estendidos e um sorriso estampado no rosto) SÃO ENORMES!!! - E chamou os Luminosos para a volta dele em conferência:
- Senhores, peço-vos que vos mostrem ao Pequeno petiz como vocês realmente são, como Guerreiros, como poetas, como Santos, como imperadores e como Reis.
O que se passou a seguir foi bem mais que um sonho, foi como se todos os sonhos do mundo se juntassem à volta do Pedro, e não eram uns sonhos quaisquer, eram sonhos feitos de Luz, eram sonhos Luminosos, eram enormes, eram tão grandes, mas tão grandes, e não paravam de crescer, até ao céu. E eram enormes senhores feitos de luz, com grandes mantos de ouro, onde as coroas que alguns usavam faziam pequenos buracos na Lua, ainda esta hoje eu vi esses buracos, olhem para a Lua se não acreditam.
O Pedro estava de boca aberta a olhar para aquilo tudo, enquanto os gigantes se transformavam em Luminosos mais uma vez e voavam em circulo em direcção ao céu sussurrando baixinho...
– Pedro...Pedro...Pedrinho... Vem para dentro, já anoiteceu, anda meu pequeno Rei destas terras Muradas.
O Pedro acordou em sobressalto quando ouviu estas palavras. Já não estava na floresta, estava no Quintal da avó, deitado de costas a olhar o céu estrelado, com todos os brinquedos à volta dele e a espada de madeira numa das mãos.
A avó do Pedro saiu à rua e olhou com ternura para ele, caminhou em silêncio e deitou-se com a cabeça encostada à dele:
- Hoje o céu parece mais estrelado, meu pequeno Rei.
O Pedro olhou um bocado para os buracos da lua e depois para as estrelas, sabia bem que a avó tinha razão, ela também acreditava mesmo antes de saber, como o Segredo Do Pequeno-almoço:
- Sim Avó - disse o Pedro - pelo menos mais dez estrelas.

1 comentário:

alexis disse...

Texto familiar este... Lembra-me uma tarde passada à sombra de uma árvore depois de ouvir o que mais me custou ouvir...
Continua a projectar estes pedaços fabulosos daquilo em que te tornaste, são sempre bem vindos! :) Um abraço, Ana#