quarta-feira, dezembro 05, 2007

No Segredo Dos Dias


(o nome não tem nada a ver com a história mas é bonito, não é?)


Louco, eu??? Loucos são estes espécimes que encontrei na alta segurança para pessoas (ou algo que se lhe pareça), aquando de minha estadia forçada para apurar quem sou (vá-se lá saber porquê).

Jorge passava a vida a implicar com todos os companheiros. Estava convicto que se lhe dessem um pontapé certeiro e com matemática força no cu, seria gloriosamente considerado o primeiro satélite Angolano em orbita terrestre.
Tenho a certeza que mais tarde ou mais cedo realizará o seu sonho.

O Nuno era perigoso. Olhava-se constantemente ao espelho a simular situações de ataque e a fazer cara de mau.
Estava convicto que com a devida força mental apontaria sem medos um dedo ao guarda e PUM!!!, fulminava-o com um tiro certeiro.
É perigoso, digo-vos eu que por várias vezes o vi apontar á lua e PUM!, fazia-lhe um buraco. Olhem para a lua se não acreditam.

Graça (Gemebundo Dinguinha, para os conhecidos) disputava a atenção do espelho com o Nuno com um ciúme negligente, não fosse o Nuno disparar o seu tiro fulminante.
Balouçava-se ao som de música do seu discomen com os seus fonomens, como ele próprio afirmava. Estava convicto que havia uma discoteca do outro lado do espelho... eu disse havia? Pois menti. Ainda existe a tal discoteca, mas nunca pude lá entrar. Diziam-me que só com companhia ou algo parecido.

A verdade é que invejava o Graça nas suas saídas musicais á tal discoteca. Com o seu balouçar de cabeça a olhar de um braço para o outro, como se neles se pendurassem duas morenaças descomunais a contar segredinhos que eu bem me esforçava para ouvir. E o Graça (que inveja!!!), do alto do seu metro e vinte, ria, ria e ria para as morenas descomunais como se entendesse a patavina que elas contavam.

Cezar provinha de um País tão pequeno que ele não conseguia evitar o embaraço quando mencionava que no País dele, ao tentarem construir um estádio de futebol, tiveram que o fazer a meias com o País vizinho. Estádio esse que teve que fechar após os primeiros jogos pois os jogadores acharam que era anti-jogo ter de mostrar o passaporte de cada vez que passavam o meio campo.
Mas Cezar era um nobre. Descendente directo dos guerreiros Zulu. Não tenho duvidas, acreditem. Creio mesmo que o seu mal dispor constante se devia ao facto do chefe lhe ter surripiado a coroa quando ele entrou altivamente neste estabelecimento. Dizia mesmo para quem quisesse ouvir que quando fosse proclamado Rei, destituiria o chefe do seu cargo e o punha a vender balões na feira popular. Infelizmente desconhecendo que esse era o sonho escondido do chefe.

Havia na realidade um que eu invejava verdadeiramente. O Artur. Era o único que tinha reais chances de sair daqui a qualquer momento. Era alto, esguio, e com umas orelhas descomunais.
Certa vez, no pátio, vi-o alvoroçar uma corrida desenfreada e de um salto, (juro-o) planou pelo menos dez metros. Mas infelizmente voltou em voo picado sem tampouco galgar a primeira rede.
Dizia entre dentes que só precisava de mais um pouco de treino – Só mais um pouco de treino.
Conto-vos agora em segredo que por várias vezes lhe pedi para me levar com ele, e sempre com uma negativa como resposta. E dizia-me com cara de gozo que faria um voo circular de despedida, e de seguida, qual concorde, acelerava o motor de um Walkman com uma ventoinha engenhosamente adaptada, sem duvida em direcção ás galinheiras.

E Tinoco, terror dos quatro cantos do mundo, não tenho duvida. Afirmava convicto que certo dia matara cinco de uma vez, cinco digo-vos eu, também convicto da verdade.
É claro que omitia que esses cinco eram mosquitos, mas que importa isso? Matou-os sem remorso e com uma cara de glorioso conquistador dizia:
- E da próxima torturo-os antes de os matar para descobrir um de óculos que escapara incumbe da batalha e ainda( que descaramento!) o zombou dizendo que voltaria com outra quadrilha.
Escusado será dizer que o Tinoco passava horas de plantão aguardando o contra ataque eminente. Cheguei orgulhosamente a montar guarda com ele e certo dia vi mesmo um espião inimigo rondar as nossas trincheiras e a tomar anotações, sem dúvida estratégicas. Desconfio mesmo que era o de óculos pela maneira que franzia os olhos de cada vez que tomava anotações. Tirara os óculos para passar despercebido, mas eu, que não sou parvo, sei que mais dia, menos dia eles irão atacar, qual kamikases, contra o glorioso gladiador Tinoco, que olha demoradamente a janela aguardando o esperado ataque com olhos de desafio.
Não tenho dúvidas que pedirá reforço aéreo ao Artur.

E havia o Cláudio. Esse se calhar mais perigoso ainda que o Tinoco ou mesmo o Nuno. Dizia mesmo que o seu recorde era de sete de uma vez. Embora nunca o tenha conseguido provar, eu acreditava piamente pois via bem como os guardas, de cada vez que se afastavam dele, olhavam de soslaio, não fosse ele sacar de uma 45.
Certa vez, ouvira ele numa acesa discussão com certo guarda. Verdade seja dita que não me atrevi a ir ver. Naquela altura apareceu o Cláudio com um saco bem cheio que supostamente trouxera da visita de um familiar. Quanto ao guarda, nunca mais o vi. Nem eu nem ninguém. Já por várias vezes reparei em vários guardas acercarem-se do Cláudio e perguntarem a medo( e digo-vos, mostravam um medo tremendo!):
-Ó senhor Cláudio, desculpe incomodar, mas onde é que enfiou o meu colega... é que, sabe, (diziam a custo) ele deve-me dinheiro.
-Agora é tarde (dizia ele) agora é tarde.
Quanto ao saco que ele trouxe naquele dia, ainda permanece intacto no armário, agora a deitar um estranho cheiro.

Mas ouve um dia importante... importante? Importantíssimo! Foi o dia que chegou o Ari. E será o Ari importante? Importantíssimo digo-vos eu.
Ele era, nem mais nem menos, que o sócio maioritário de um importante... importante? importantíssimo partido político, digo-vos eu. Era do P.S.D., sim, sim, do P.S.D., vinha com uma carta de recomendação e tudo, incrível. Incrível? Incrível e verdadeiro. Quase não resisti a fazer-lhe continência, tal era o meu espanto. Um vice-presidente ao pé de mim era quase tão importante como um comprimento ao Papa (ou talvez não).


E a conversa que ele teve com o meu amigo Jorge. Altamente intelectual. Nem me atrevo a descrever tal conversa, com o Jorge interessadíssimo com a chance( como lhe prometia convicto o sub-presidente) de concretizar o seu bendito sonho. E reparem que a dificuldade de fazer os preparos matemáticos para tal pontapé era digno de um génio.
- Creio, caro Jorge- dizia ele- que a ideia de tal satélite é prodigiosa. Quero apenas que me prometa que em troca de tal lançamento, apenas lhe peço que á passagem de outros satélites idênticos a si lhes entregue estes prospectos do meu P.S.D..
Sem dúvida um pedido importante... Importante? Importantíssimo.

E o dia a acabar e não é que entra alguém sem ser convidado ( mesmo que para entrar aqui não seja preciso convite). E não julguem que era alguém perigoso. Nem tão pouco um político, ( que era pior claro). Mas pior ainda era esta figura, baixa, cabeluda, e com uns olhos sem expressão que davam arrepios. Um louco, um maluco, nem mais. Estivera internado na psiquiatria, mas não era por se considerar a Padeira de Aljubarrota ou o Napoleão Bonaparte, não senhor. Esta triste figura de gente era nem menos nem mais que um habitante da Lua. Sim, ouviram bem, da Lua. Assim o comprovavam os atestados médicos dizendo que era verdade. Não que eu duvidasse não senhora, mas acreditei plenamente assim que entrou e disse:
-Quem é o nabo do terrestre que anda a dar tiros na minha casa? - olhando para o Nuno com olhos fulminantes
O Nuno, perigoso como é, tratou logo de preparar o dedo para o fatal disparo. Mas o Cláudio, o mais perigoso ainda, sacou da 45 e começou a disparar, fazendo o cabeça de Lua fugir como um rato. Como um rato? Não, mais como um ratinho pois se o Graça tinha um metro e vinte, este ratinho pouco mais tinha que meio metro.
O Jorge quis intervir mas tinha o traseiro dorido de tantas experiências desencadeadas pelo amigo sub-presidente nas suas tentativas de o colocar em orbita.
Quanto a mim, limitei-me a dar á cauda para me refugiar na gruta do meu aquário. Detesto violência.

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